Tradução: Graça Salgueiro
Tão logo se produziu a captura de “Jesús Santrich”, assinalado de enviar cocaína para os Estados Unidos, as “dissidências” das FARC, encabeçadas por Guacho, assassinaram uma equipe jornalística do Diario El Comercio do Equador que estava em seu poder. De imediato, experts no divino e no humano especularam que a captura de Santrich era uma montagem, um golpe contra a paz que, pelo contrário, isso favorece o governo Santos porque mostra eficiência, etc.
Enquanto isso, desde Quito se repetiu o argumento batido de que a Colômbia transferiu a guerra para o Equador, que com prazos estúpidos ao estilo politiqueiro de Martha Lucía Ramírez ou Rafael Pardo quando foram ministros de Defesa, que do mesmo modo que em 18 meses as guerrilhas deveriam se entregar ou eles as arrasariam, o deslocado presidente Lenín Moreno supõe que com ameaçadores prazos de 10 dias Guacho vai se entregar, etc.
Pela enésima vez escrevemos nesta coluna de opinião que enquanto os serviços de inteligência e segurança dos Estados Unidos não souberem interpretar qual é a capacidade mais provável de adoção do inimigo, jamais entenderão nem seu Plano Estratégico, nem os próximos passos a dar, nem muito menos serão capazes de fazer o que estabeleceu Sun Tzu há 30 séculos: “Conhecer a estratégia do adversário e formular uma estratégia própria, para destruir a estratégia inimiga, não o inimigo”.
Vamos por partes: que Santrich tenha continuado imerso no delito não é excessão, é a regra: é o cumprimento por parte deste delinqüente, do que lhe corresponde fazer como integrante das FARC em cumprimento de seu Plano Estratégico. O pactuado em Cuba com os “levianinhos” delegados de Santos facilitou que as FARC continuem vinculadas ao narco-tráfico, fortaleçam suas estruturas políticas não incluídas no acordo denominadas milícias bolivarianas, Partido Comunista Clandestino e Movimento Bolivariano Clandestino, ao redor do controle geo-humano dos cultivadores e raspachins [1], a organização sócio-política das “zonas veredais transitórias” - que na realidade foram permanentes -, a estruturação das veteranas “organizações sociais” pré-existentes na zona de controle absoluto das FARC, e a habilidosa criação da cooperativa Ecomún que por igual, permite lavar dinheiro do narco-tráfico e da mineração ilegal, assim como carnetizar e organizar os camponeses dessas regiões em apoio às FARC , com o aval do governo nacional.
Nessa ordem de idéias, as FARC necessitam de dinheiro para financiar o projeto de dupla moral, similar ao que fez durante muitos anos o Partido Comunista Colombiano, organismo superior das FARC que participou de eleições e debates políticos, treinou politicamente os quadros das FARC e “tirou” a linha estratégica de ação fariana, mas que sempre negou qualquer nexo com os ataques terroristas, que inclusive enviavam dinheiro proveniente do delito para os gastos de funcionamento do Comitê Central.
Hoje os cabeças das FARC não só pretendem se livrar de qualquer responsabilidade penal por meio da JEP de bolso e feita à medida, senão continuar delinqüindo mas negá-lo, com o argumento de que os “dissidentes” “não apostaram na paz”. E o pior é que há “especialistas” no conflito, jornalistas sabichões e colunistas nascidos em outros países que escrevem com duas mãos esquerdas, que ajudam o conto nos meios de comunicação ou nas redes sociais. Outros são pagos pelo regime para que façam o mesmo trabalho “a favor da paz” de Santos.
Por essa razão, as FARC aproveitaram a Cúpula das Américas para baixar o protagonismo midiático que Santos pensava se dar mostrando o troféu da captura de Santrich como um ganho de seu pacto com Timochenko, e de remate trazendo Donald Trump a Bogotá para legitimar sua farsa, pois tudo isso lhe permitiria projetar seu novo emprego, como o conferencista que cobra milhões de dólares a partir de agosto deste ano para falar de paz no mundo.
Porém, não o agradaram nem um nem outro. Trump não se deixou meter os dedos na boca nem ser utilizado para a publicidade pacifista de Santos. E as FARC assassinaram os três jornalistas para pôr Santos contra as cordas com o tema da extradição de Santrich, advertir os Estados Unidos de que a guerra continua e que se Santrich caiu com a coca, outros o farão, além de impor ao Equador a realidade de que as FARC existem lá, que o narco-tráfico pulula nas fronteiras e que a guerra é séria.
Desafortunadamente, como já se anotou, nem em Quito nem em Bogotá as altas instâncias oficiais entenderam que o problema continua latente, que o Plano Estratégico das FARC está vivo, que o crime dos três jornalistas foi uma decisão de alto nível das FARC, que não existem tais dissidências, que o narco-tráfico continua sendo o combustível do conflito, nem que o pactuado em Havana não serviu como avanço quantitativo do Estado senão como um salto qualitativo do Plano Estratégico das FARC.
Portanto, tudo o que sucede ao redor da paz está interconectado: o ELN negocia em Quito ao ritmo que acordou com as FARC. O EPL se assenta em zonas controladas pelas FARC com o aval dos que negociaram a paz com Santos, as “dissidências” das FARC vivem em zonas históricas do grupo terrorista onde a população civil é favorável ao processo terrorista para a tomada do poder e onde há narco-tráfico com ênfase nas fronteiras, para se aferrar ao Hinterland e depois projetar a revolução armada para o Heartland.
Finalmente, mais um detalhe: é usual que os terroristas de filiação comunista que não se desmobilizam atentem contra a vida dos que foram seus antigos comparsas. Assim fez Iván Márquez contra o EPL em Urabá, quando exterminou o nascente partido Esperanza, Paz e Libertad, que por fim e devido à incapacidade do Estado para protegê-lo, serviu em importante nutriente das AUC da casa Castaño Gil.
Entretanto, não há nenhuma prova incontestável e crível de que as “dissidências” das FARC atentem contra seus antigos cabeças e companheiros delitivos. E resulta mais estranho ainda que as “dissidências” convivam com a sólida base política das “novas” FARC, em zonas onde durante décadas o Partido Comunista Colombiano e os “masseros” [2] das FARC organizaram uniões solidárias, Juntas Patrióticas, comitês pró-revolucionários, células do Partido Comunista Clandestino, Movimento Bolivariano Clandestino, Milícias Bolivarianas e milícias populares, estruturas políticas pró-terroristas que, vale dizer, ficaram quase intactas depois do pacto FARC-Santos.
Quem tenha comandado operações de contra-guerrilha em áreas com presença das FARC, sabe que o principal problema não são as estruturas armadas, no geral inferiores em capacidade militar das tropas, senão que a vantagem qualitativa das FARC em zonas controladas pelos terroristas depende de solidez ideológica das células camponesas integradas às organizações clandestinas relacionadas no parágrafo anterior, porque ali radica a assistência logística, a inteligência de combate, a facilidade para atuar como camponeses e localizar tropas, ou desinformar a quem procura os guerrilheiros, cobrar as extorsões, vigiar os demais camponeses, etc.
E por essas mesmas razões, fica muito claro que para os governos do Equador e Colômbia é essencial reestabelecer o que se deve fazer de maneira conjunta para erradicar o problema na fronteira binacional, porque o miolo do assunto não está só em capturar Santrich, ou eliminar Guacho em 10 dias, como assevera levianamente o loquaz mandatário equatoriano. A solução do problema está em compreender e se opor efetivamente o Plano Estratégico das FARC.
Que Santrich seja extraditado ou encarcerado na Colômbia não impede que as FARC continuem dedicadas ao negócio que lhes permite financiar novas etapas de seu plano estratégico. Que Guacho seja preso ou dado baixa, não impede que o mesmo grupo continue delinqüindo na fronteira sob o comando de outro bandido da mesma quadrilha ou enviado pelo Secretariado desde Guaviare, Putumayo, Meta ou outra região.
Conclusão: a solução deve ser estratégica e apoiada na visão de Napoleão: “A guerra é uma arte simples porém sobretudo de execução”.
Coronel Luis Alberto Villamarín Pulido
* Especialista em Geo-política, Estratégia e Defesa Nacional -
Notas da tradutora:
[1] “Raspachim” é como se chama quem executa a função de raspar a folha de coca.
[2] “Massero” é como chamam a militância que trabalha na “organização das massas”.